Um tempo perigosamente perdido
Este Orçamento do Estado, ora reprovado na Assembleia da República, continha indiscutíveis melhorias muito globais em face dos anteriores. Não era, todavia, o ótimo desejável, que ninguém, objetivamente poderia fazer aprovar e aplicar.
Lá teve lugar a votação da proposta de Orçamento do Estado para 2022, deitada por terra à custa do PCP, Bloco de Esquerda e Verdes. Num certo sentido, uma objetiva manifestação do impensável na vida da nossa III República, depois daquela reprovação do PEC IV, e em face da ação que pôde ver-se por via da intervenção política do terno Cavaco-Passos-Portas.
Este Orçamento do Estado, ora reprovado na Assembleia da República, continha indiscutíveis melhorias muito globais em face dos anteriores. Não era, todavia, o ótimo desejável, que ninguém, objetivamente poderia fazer aprovar e aplicar.
Esta reprovação por parte do PCP, Bloco de Esquerda e Verdes possuiu, contudo, um suporte reativo razoável, marcado pela recusa de António Costa em estabelecer um acordo escrito com o segundo daqueles partidos, mas também como consequência do reiterado incumprimento de mil e uma garantias em domínios os mais diversos. Por mera razão de proximidade envolvente à minha residência, cito aqui, apenas, o caso dos cuidadores informais, de muitos dos quais vou escutando queixumes diversos em cafés locais, quando ali acompanham concidadãos nossos muito carenciados do seu apoio.
Nunca tendo sido um crente da adesão à União Europeia, e menos ainda da adoção do euro, a verdade é que estamos lá hoje com todas estas parafernálias à mistura.É um domínio que sempre me traz ao pensamento a tal afirmação de Marcelo Caetano numa das suas Conversas em Família, a cuja luz, sem o ultramar português, Portugal ficaria reduzido a uma província da Europa. E hoje, claro está, percebe-se a verdade destas palavras. Simplesmente, é tarde para voltar atrás, mesmo que uma esmagadora maioria assim o desejasse.
PCP, Bloco de Esquerda e Verdes têm o dever de entender esta realidade, mesmo que não reconheçam tal no domínio público. De resto, PS, PSD, CDS procedem do mesmo modo, pensando ou não como dizem, mas certos da quase impossibilidade de se voltar atrás. Simplesmente, esta realidade mostra também que Portugal tem de manter-se como um Estado respeitador das regras europeias, ainda que as mesmas possam até ser violadas sempre que conveniente, mas pelos grandes. A simetria de direitos e deveres no seio da União Europeia é meramente formal, porque a realidade é completamente arredia de tal situação.
Quando, em face da recente proposta de Orçamento do Estado, PCP, Bloco de Esquerda e Verdes a olharam, seria sempre lógico, desde que pensassem nos portugueses, que não reprovassem o documento, dado o avanço que no mesmo se continha em face do que existia antes. É verdade que poderiam nele existir muitas insuficiências, até mistificações, mas o que é também verdade (e bem pior!) é que a situação em que se ficou continua a ter as limitações que vinham de antes, sem que nenhum dos grandes objetivos apregoados por aqueles partidos venha a ser alcançado.
Tudo isto é simples de compreender, mas também é elementar estimar que o acesso da Direita e da Extrema-Direita ao poder – o Chega! irá sempre ser utilizado, direta ou indiretamente…– fará recuar as dificuldades da generalidade dos portugueses para níveis tão próximos da Tróyka e do terno Cavaco-Passos-Portas quanto possível. Se assim vier a ser, bom, teremos um verdadeiro desastre social…
Espero bem que a generalidade dos portugueses consiga dar-se conta dos malefícios destas decisões do PCP, Bloco de Esquerda e Verdes. Eles sabiam que o PS nunca é por mim designado como da Esquerda – a tal minha frase “o PS e os partidos da Esquerda”…–, alinhando com ele na Geringonça, com a finalidade de parar o caminho para o desastre social sob a égide do terno Cavaco-Passos-Portas. O modo como agora procederam, a sair vencedora nas próximas eleições a unidade da Direita e da Extrema-Direita, voltará a colocar o ponteiro da História Social no tempo do final do terno Cavaco-Passos-Portas.
Por fim, duas notinhas curtas. Esta derrota infligida ontem aos portugueses – a reprovação da recente proposta de Orçamento do Estado para 2022 – não constitui o Fim da História, sendo sempre possível uma retoma de uma outra qualquer ação conjunta do PS, PCP, Bloco de Esquerda, Verdes, PAN, etc.. Uma realidade reconhecida por constitucionalistas diversos, ao redor da infeliz iniciativa do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa em logo estipular eleições antecipadas, dado existirem outras alternativas com a atual composição da Assembleia da República. E depois, a recente ida de Paulo Rangel a Belém, numa sempre lida intromissão do Presidente da República em favor deste candidato. Marcelo sempre soube que em política, o que parece é. Se eu quisesse proceder neste caso como sempre fiz com Donald Trump, passaria a dizer Rangel, o da ajuda de custo.
O tempo que agora se iniciou, com esta infeliz e injusta atitude do PCP, Bloco de Esquerda e Verdes, para mais potenciada por essa outra infeliz iniciativa do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, impondo, sem mais e a destempo, eleições antecipadas, logo seguidas daquele outro infeliz, mas significativo, encontro com Paulo Rangel em Belém, vai saldar-se, lamentavelmente, num tempo perigosamente perdido para os portugueses e para a imagem de Portugal no mundo. E já agora: este foi o pior momento da intervenção pública de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República, por acaso até marcado por aquela ida a uma caixa multibanco, com meio mundo a ver tal cena e um quarto a rir com intensidades diversas. Como muito acertadamente ontem referiu David Justino, tudo isto nunca teria tido lugar nos dez anos da ação presidencial de Cavaco, nem do Presidente Jorge Sampaio.
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