Recordando La Traviata
O que esta entrevista de agora mostra era o já facilmente percetível para quem acompanhava, com verdade, o problema da guerra nas antigas províncias ultramarinas: qualquer nova independência só na aparência o seria...
A ópera La Traviata, de Giuseppe Verdi, pode ser apresentada em quatro atos ou em três, neste caso por fusão dos dois últimos, dado o quarto ser deveras curto. Neste último, surge um momento em que Violetta Valéry estanca o delírio memorial por que está passando, de pronto gritando: e tarde!! Apercebeu-se, pois, de que o grande amor com o seu Alfredo, que se tornara uma realidade irreversível, não subsistiria à força da sua morte, imposta por uma tuberculose muito avançada.
Fui buscar este caso para ilustrar o que nos é contado por certo guineense, em entrevista concedida a certo jornal português. Nesta entrevista, a parte realmente importante é quando nos conta que na Guiné-Bissau, todo o mundo quer ir para Portugal, lembrando que no país não há educação, saúde e emprego e o pouco trabalho que há é mal pago pelos patrões. E logo completa deste modo: em Portugal trabalha-se no duro, mas os patrões pagam. Bom, nem por um segundo duvido do que nos conta este guineense.
Tive já a oportunidade de contar certa conversa de café com uma das suas empregadas, quando lhe perguntei a origem étnica. Tendo-me respondido ser cabo-verdiana, perguntei-lhe se estava contente com a independência, ao que, de pronto, me respondeu que sim. Então, de um modo para si inesperado, disse-lhe: mas vocês já eram independentes! Em face do seu espanto, expliquei-lhe: vocês eram portugueses, pelo que, sendo Portugal um Estado independente, vocês eram-no também. Era, claro está, uma brincadeira, mas com um fundo de verdade.
O que esta entrevista de agora mostra era o já facilmente percetível para quem acompanhava, com verdade, o problema da guerra nas antigas províncias ultramarinas: qualquer nova independência só na aparência o seria, porque para que assim não fosse eram essenciais requisitos muito amplos, mas que os novos cidadãos guineenses não possuíam.
Quando Kumba Ialá chegou ao poder, tive a oportunidade de visionar certa entrevista da Diretora-Geral do Ensino Superior da Guiné-Bissau, que falava com uma face reveladora de enorme tristeza. Perante estas imagens, logo nessa noite gizei um projeto de estruturação do Sistema de Ensino da Guiné-Bissau, em condições de, em 10 anos, poder dispor de bons quadros em quase todos os níveis profissionais, com exceção de Medicina. A título de exemplo, passariam a dispor de condições para operar projetos de edificação até cinco andares, ou seja, já com a instalação de elevador.
Também elaborei o respetivo projetivo à luz de um objetivo estratégico para a República da Guiné-Bissau, entregando-o, mais tarde, ao respetivo embaixador. Dele recebi, com simpatia, esta garantia: este texto será entregue ao Governo, mas, a partir daí, já não posso dar mais garantias.
Os anos passaram, e nada mais voltou a chegar-me. Até que, em certo dia, ouvi de um conhecido meu estas palavras: eu ouvi falar desse estudo, não sabia que era teu, mas era muito ambicioso,… é preciso ir-se mais lentamente. A verdade é que este meu conhecido sabia ser eu o autor do estudo, simplesmente a sua cautela teve como consequência o que agora nos conta o guineense entrevistado: na Guiné-Bissau, todo o mundo quer ir para Portugal, porque no país não há educação, saúde e emprego e o pouco trabalho que há é mal pago pelos patrões. E por isso repito aquelas palavras de Violetta Valéry: é tarde!!
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