Primeiro a conveniência, os valores nas calendas
Depois dos mui referentes homicídios de Kashoggi, de Marielle Franco e de certa jornalista de Malta, quase todos caídos no olvido, eis que a recente grande batalha da Ucrânia nos veio repor, e em grande, essa dicotomia entre o modo de tratar as barbaridades russas e as (quase escondidas) ucranianas.
O leitor teve já a oportunidade de assistir à hierarquização presente no título deste meu texto. E hoje, em face da grande batalha da Ucrânia, quase tudo passou valer, ou a não valer, no domínio da política internacional. Tudo sempre ao sabor das conveniências, só lá muito para o fim surgindo o tal tema, sempre tão badalado, dos valores… Uma realidade que se suporta, por toda a parte, no papel desempenhado pela grande comunicação social, tão veiculadora da verdade de Putin na Rússia, como da dos Estados Unidos – os europeus sempre na peugada, claro está…– no Ocidente.
Contam-se cobras e lagartos sobre o Presidente Vladimir Putin, mormente ao redor dos homicídios por si determinados e, alegadamente, por lugares diversos do mundo. Em contrapartida, esqueceram-se, e por completo, as revelações de Julian Assange, ou as da brigadeiro-general Janis Karpinsky, ou as de Edward Snowden, ou as mil e uma execuções levadas a cabo, em todo o mundo, por membros do serviço secreto de Israel, e tão bem ilustradas numa recente obra de Eric Fratinni. Para já não referir os milhares de casos já muito antigos, ao tempo da Guerra Fria, ou os operados pela OTAN ao abrigo da sua Estratégia de Tensão, ou por via do macartismo nos Estados Unidos. Até Chaplin se viu forçado a deixar os Estados Unidos.
Depois dos mui referentes homicídios de Kashoggi, de Marielle Franco e de certa jornalista de Malta, quase todos caídos no olvido, eis que a recente grande batalha da Ucrânia nos veio repor, e em grande, essa dicotomia entre o modo de tratar as barbaridades russas e as (quase escondidas) ucranianas. E foi neste ambiente que se deu o mais recente homicídio de uma jornalista da Al-Jazeera por tropas de Israel. O problema é que a nossa grande comunicação social, à semelhança de António Guterres, tal como com as Nações Unidas, quase não se pronunciou sobre o tema. Precisamente o inverso daquele caso do avião em que viajaria um jornalista, mas cujo voo foi forçado a aterrar na Bielorrússia. Foram dias infindos com a historieta desse tal jornalista, completamente ao contrário do silêncio a que foram votados os casos antes referidos.
Israel, o tal Estado de Direito Democrático – é o momento da gargalhada –, mas que nunca mais procede ao julgamento de Netanyahu, nunca até agora indicou a base legal para a decisão sobre a morte da jornalista da Al-Jazeera, ignorando dezenas de testemunhos e provas e os resultados da autópsia. E então? Vê o leitor as nossas televisões passarem este tema todos os dias? Ouve os Estados Unidos exigirem a verdade sobre o tema e a condenação dos culpados? E percebe como os Estados europeus comem e calam perante os Es-tados Unidos e Israel? E vai daí? Consegue daqui concluir alguma coisa sobre quanto se diz sobre a inter-venção russa na Ucrânia? Percebe agora a razão do Papa Francisco apontar a aproximação da OTAN das fronteiras da Rússia como a causa primeira de se ter chegado à atual situação? E vê as nossas televisões abordarem esta intervenção papal todos os dias?
Perante tudo isto, não custa compreender que os Estados Unidos vejam na Rússia e na China violações dos Direitos Humanos, mas as não vislumbrem em Israel ou na Arábia Saudita. E não custa perceber que se fossem os Estados Unidos a proceder como agora faz a Rússia, tudo estaria, na Europa dos valores, na melhor das boas. Como, de um modo muito geral, se viu com a Guerra do Iraque, mormente por parte dos órgãos da soberania portuguesa.
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