Informativo Digital de Trás-os-Montes e Alto Douro

L’état sera lui?

Irá a vontade popular ser deitada por terra por Marcelo?

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O ambiente que se vem vivendo desde o dealbar da recente operação judicial, que levou à demissão do Primeiro-Ministro, António Costa, mostra bem como intervenções do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, feitas a uma cadência talvez internacionalmente singular, podem levar a acréscimos claros na perda do prestígio da vida democrática que hoje (ainda) temos.

Nas anteriores eleições para deputados à Assembleia da República, como o leitor pode facilmente aquilatar por si e pelos seus mais próximos, o surgimento de uma maioria absoluta nunca foi publicamente dado como expectável. Mil e um, por razões mais que evidentes, sempre brandiram a ideia do tal empate técnico. Um tempo em que já eram o PS e o Governo liderados há muito por António Costa. Nunca os nossos jornalistas, analistas ou comentadores nos expuseram que a imagem de António Costa era a garantia de uma maioria absoluta. Nem creio que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa algum dia tenha imaginado a possibilidade forte de um tal resultado.

Só o leitor pode interpretar o resultado depois surgido, mas na base da sua reação, bem como nas dos familiares, amigos ou conhecidos. Ora, o que muitos vieram depois a dizer foi que a corrida para a maioria absoluta do PS de António Costa se ficou a dever à perceção da desgraça em que viria a cair o Estado Social, desde a estabilidade nos valores das reformas, à estrutura educativa, passando pelo Serviço Nacional de Saúde, que, com todas as limitações, ainda era universal e tendencialmente gratuito. Foi a perceção do risco que se poderia correr com o PSD – todos se recordavam bem, e continuam a recordar, do que se ia dando com o terno Cavaco-Passos-Portas…– que fez surgir a tal maioria absoluta do PS. Não foi, como qualquer um perceberá hoje, a presença de António Costa à frente do PS.

Aconteceu, por aqueles dias, que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa voltou a criar um potencial de atrito institucional com aquela sua interpretação de que a maioria absoluta havia sido consequência primacial da figura política de António Costa. Simplesmente, esta foi a sua opinião, talvez assim expressa por se dizer que António Costa poderia seguir para um alto cargo europeu, o que, para lá de justíssimo, só prestigiaria Portugal. O problema, lamentável, é que isto, hoje, conta muito pouco, completamente secundarizado pela luta pelo acesso ao poder, e tudo isto baralhado e depois dado de novo por uma grande comunicação social que fala por falar ou por alguma conveniência.

Como pude já escrever, só os eleitores podem impedir um retrocesso histórico, voltando a repetir algo próximo da anterior decisão eleitoral. Com os resultados antes conseguidos, os portugueses ficaram com um pássaro na mão, pelo que há muito vêm manifestando em sondagens o desejo de que esta legislatura vá até ao fim, mas que a governação melhore. Se o Presidente da República, dentro de umas duas horas, se determinar a passar por sobre a vontade da anterior maioria, bom, tal representará o cabal esvaziamento do valor do ato eleitoral.

No presente momento, Portugal tem um Governo suportado num programa aprovado por uma maioria absoluta de deputados na Assembleia da República. A saída do líder do Governo não anula nenhum daqueles suportes da governação: nem o programa já aprovado, nem a existência da maioria absoluta determinada pelos eleitores, que até vêm manifestando o desejo de que a legislatura decorra até ao seu final. Mas será que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa se deitará a atuar como se l’état soit lui? Sendo friamente objetivo, já nada me admira nos tempos de decadência que se vivem hoje, entre nós e lá por fora. Terá alguém conseguido imaginar aquela passeata no jardim frontal ao Palácio de Belém, com tudo o que nos foi ali dado ver? Tenho cabalíssimas dúvidas.

Por fim, uma notinha sobre as comparações que por aí se vão ouvindo ao redor do que se passou com o Governo de Pedro Santana Lopes. Desde logo, Pedro nunca se lamentou e não ter ido a eleições, porque o foi, só que perdeu. O que o antigo Primeiro-Ministro lamentou foi não se ter legitimado internamente, no PSD. Depois, a causa principal da saída acabou por ser causada pela campanha que lhe foi movida por companheiros seus do PSD, muito bem aproveitada pelo Presidente Jorge Sampaio. De resto, Santana Lopes começara a surgir nas sondagens de candidatos presidenciais, tendo mesmo dito que seria excelente uma candidatura de Cavaco, gerando neste uma reação forte contra a iniciativa da conversa. O grande pânico do tempo, no PSD e no PS, foi determinado pela ideia de uma possível chegada de Pedro Santana Lopes a Belém. E foi isto que levou a que Jorge Sampaio, sem grande evidência que não a campanha posta a correr na grande comunicação social, a decidir do melhor momento para seguir o caminho que se viu.

Hoje, tudo é completamente diferente, porque a governação é assegurada por uma maioria absoluta do PS, conseguida há mui pouco tempo, e que os eleitores há muito desejam que vá até ao seu fim lógico. E se eu fosse íntimo de Marcelo Rebelo de Sousa, nos dias que passam, e ele me manifestasse a ideia de que a tal maioria absoluta do PS foi uma consequência da presença de António Costa no poder, responder-lhe-ia, muito à minha maneira: errou!!! A verdadeira causa foi a que, depois do que se viu na campanha de Humberto Delgado, mesmo assim veio a vencer Américo Tomás. É que os portugueses deram-se conta de que já tinham um pássaro na mão, pelo que deixá-lo voar na esperança de conseguir apanhar dois outros poderia ser o fim de quanto a Revolução de 25 de Abril já lhes havia concedido. E por isso termino deste modo, lembrando os velhos relatos do futebol pela rádio: atenção, caro leitor, há perigo…

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