Informativo Digital de Trás-os-Montes e Alto Douro

“Létat c’est lui”

Enfim, há mil e uma situações que só são democracias porque, de algum modo, ocorre uma escolha eleitoral. Uma escolha que, invariavelmente, não se suporte num conhecimento capaz do que está em jogo, e muito menos num programa eleitoral onde sejam assumidos, com clareza, compromissos eleitorais nos domínios que mais importam para o exercício de uma vida digna dos cidadãos e das suas famílias.

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Tenho para mim, com base no imenso que se vai podendo ver, até por lugares do Mundo os mais diversos, que a democracia está pelas horas da amargura. E está assim por diversas ordens de razões.

Por um lado, a ideia arquetípica de democracia quase não está presente em lugar algum do nosso Planeta. Nuns casos, têm-se monarquias, o que logo retira um valor de fundo à ideia democrática, criando singularidades verdadeiramente impróprias da verdadeira ideia de Estado de Direito e violando fortemente o princípio da igualdade.

Por outro lado, porque existem democracias onde a eleição presidencial nem sequer é direta, ocorrendo, por vezes, situações em que o número de votos dos eleitores é maior no candidato que vem a ser o vencido.

Depois, há casos em que o que importa é arranjar uma solução governativa, seja lá o resultado eleitoral o que for. É o caso da Grécia, onde o partido mais votado, se acaso não conseguir maioria absoluta, recebe logo 40 deputados sem terem sido eleitos. No fundo, uma representatividade mais que duvidosa, que mostra que a democracia não funcionou.

Há ainda casos como o de Israel, onde uma dita democracia pode mesmo chegar ao ponto de pôr um forte fim no funcionamento do Estado de Direito, com o líder do Governo indiciado criminalmente, e sem que ninguém da dita Comunidade Internacional se pronuncie em condições audíveis. Não é a Rússia, nem a China, ou Cuba…

Enfim, há mil e uma situações que só são democracias porque, de algum modo, ocorre uma escolha eleitoral. Uma escolha que, invariavelmente, não se suporte num conhecimento capaz do que está em jogo, e muito menos num programa eleitoral onde sejam assumidos, com clareza, compromissos eleitorais nos domínios que mais importam para o exercício de uma vida digna dos cidadãos e das suas famílias. No fundo, mera forma destinada a fazer calar protestos de legitimidade, através da ideia de que a escolha foi… dos cidadãos.

Para lá de tudo isto, ainda surgem situações em que, mau grado uma maioria absoluta conseguida pelo partido da governação, pode surgir alguém que se determina a dizer que l’État c’est moi.

A tudo isto, há ainda que adicionar o facto de os cidadãos, de um modo frequentemente crescente, irem deixando de valorar a prática da democracia, dada a forte distância entre as necessidades da grande maioria e a objetiva falta de respostas de quem governa ou está a desejar fazê-lo.

Ora, o que muito recentemente se passou em França mostra o funcionamento de uma incorreta democracia, situação que vem já do tempo de De Gaulle. Passando por sobre a ampla vontade dos franceses, mas também sobre a própria Assembleia Nacional, o Presidente da República deitou mão de um artigo legal que lhe permite passar sobre o funcionamento da própria democracia. É como se ele se virasse para os franceses, através da televisão, e lhes dissesse: Français, l’État c’est moi!

A tudo isto, a democracia até permitiu que certa entrevista do Presidente Macron a certo órgão da comunicação social, supostamente prestigiado, fosse, depois de dada, alterada e emendada. Enfim, é a verdadeira democracia em movimento. E é tudo isto que deita por terra o valor que se foi atribuindo, ao longo de muito tempo, à ideia democrática. Infelizmente, o seu funcionamento está cada dia pior, colocando, paulatina e rapidamente, camadas sucessivas de cidadãos numa situação de desespero. Porquê, pois, a admiração que por aí anda com a subida da Extrema-Direita?! E volto a perguntar: e depois de Francisco deixar de liderar a Igreja Católica Romana…? Será assim tão difícil perceber?

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