Globalização democrática deliquescente
Como pude já expor, a democracia, para poder funcionar capazmente, necessita de dois ingredientes: crença dos cidadãos em si mesma, e resultados justos que saiam da prática democrática. Simplesmente, a generalidade dos povos do mundo nunca teve um apego forte à democracia, que, como se sabe já, está até em razoável declínio.
O que, com grande espanto, nos foi dado ver nos Estados Unidos, com o assalto ao Capitólio, ou há pouco, com o que se passou em Brasília, e o que está a decorrer no Perú e em Israel, mostrou, já sem margem para dúvidas, que a democracia está a desfazer-se. E se olharmos esta realidade à luz do recuo da globalização, de parceria com a subida, por lugares diversos do mundo, das forças da Extrema-Direita, conclui-se, naturalmente, que a ideia democrática está a sucumbir aos grandes interesses capitalistas, que têm vindo a sobreviver, e a fortalecer-se, através do dito mercado.
Hoje, já sem grandes dúvidas, as pessoas deram-se conta de que o mecanismo das ditas democracias nem a estas consegue defender, quanto mais servir os anseios essenciais (e legítimos!) das pessoas. A prática das eleições democráticas, mais ou menos livres e válidas, acaba por não conferir aos cidadãos um poder mínimo, nem mesmo um mecanismo de ascensão social.
Aos poucos, as pessoas vão-se dando conta da realidade antes referida, desinteressando-se da democracia e da correspondente prática. A abstenção acaba por ir crescendo, mostrando, precisamente, o desinteresse pela ineficácia da democracia. Mas lá acabará por tudo vir a desembocar em forças moralistas e de aparência salvífica. O desespero dos cidadãos carreia estes para as referidas forças de aparência salvífica.
Este mecanismo dispõe hoje de um cimento forte e muitíssimo reativo: a grande comunicação social, com uma terrível relevância para a televisão. Mas também por via do Sistema de Justiça, funcionando sobre legislação que, em nome da democracia e da transparência, acaba por consentir tudo. A resultante desta estrutura tentacular, também de vasos comunicantes, é o cabalíssimo descrédito das instituições: só mesmo por medo se pode continuar a dizer que se acredita no regular funcionamento das instituições democráticas.
Mau grado tudo isto, continua a suscitar graça a constante questão colocada por muitos em programas televisivos diversos: como se pôde criar uma situação como esta? O problema é que são esses concidadãos que lá vão repetindo hora a hora sempre os mesmos temas, induzindo nos cidadãos – nos que os acompanham, claro está – uma ideia de podridão política, que acaba por ser interpretada como consequência da grande ineficácia da democracia.
Com espanto, também com um sorriso já bem aberto, ouvem-se os jornalistas falar em nome dos cidadãos, quando, ao estar-se num café, ninguém fala sobre os temas apontados pelos jornalistas hora após hora. E é ainda mais espantoso darmo-nos conta de como certos políticos com tempos de antena periódicos nos canais de televisão se determinam a criticar o seu próprio partido, sem nunca tecerem considerações abertas aos partidos da oposição, ou mesmo ao Presidente da República, a quem tudo se perdoa ou se reage com um sorriso amável. Bom, o que se está a dar, naturalmente, é o que se dizia com o histórico anúncio do Porto Kopke: com televisões destas à vista, não democracia que resista.
Como pude já expor, a democracia, para poder funcionar capazmente, necessita de dois ingredientes: crença dos cidadãos em si mesma, e resultados justos que saiam da prática democrática. Simplesmente, a generalidade dos povos do mundo nunca teve um apego forte à democracia, que, como se sabe já, está até em razoável declínio. E depois, ao ter de viver-se, para lá da vontade dos cidadãos, à luz das tais regras do dito mercado, torna-se impossível produzir resultados que deem satisfação aos legítimos anseios das pessoas, e um pouco por todo o mundo.
Os cidadãos, de um modo muito geral, deram-se conta de que o funcionamento das democracias acaba por potenciar as vantagens de uma minoria, com a esmagadora maioria das pessoas a perder condições mínimas essenciais às suas legítimas aspirações: obter habitação, trabalho estável, poder estudar e valorizar-se, poder tentar salvar a saúde e a vida, não sendo votado ao abandono e à pobreza nas idades mais avançadas.
A resultante desta realidade – é causa e consequência – é o recuo forte da globalização, a distração inútil, e por vezes mentirosa, veiculada pela grande comunicação social, tudo gerando o cansaço e a descrença na democracia, hoje, indiscutivelmente, em franca deliquescência. Em resumo: um futuro de ditadura negra. Ah!, mas atenção: sempre com a dita democracia, corra lá por onde correr…
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