Entre amigos é outra coisa
Confesso que já só recordava os contornos gerais da ação de espionagem dos Estados Unidos aos seus aliados da OTAN, ou seja, aos seus subordinados na sua própria estrutura militar e geoestratégica. Pois, se o Comandante Supremo Aliado da OTAN foi sempre um oficial-general dos Estados Unidos – um general ou um almirante –, como não haveriam os militares dos restantes Estados daquela estrutura de se olharem como subalternos dos seus líderes norte-americanos?!
Como facilmente se percebe, não existem grandes razões militares para a França ou a Alemanha espiarem quem os dirige e defende. Se o pudessem fazer, bom, fá-lo-iam, mas por razões derivadas de interesses económicos ou de áreas não imediatamente militares. Ainda assim, sobraria sempre o medo das possíveis represálias, há muito conhecidas e até testadas. Basta recordar, por exemplo, o terror, sem nexo, que se apossou dos políticos europeus quando Donald Trump se mostrou tão simpático para com o Presidente Vladimir Putin, desqualificando, por acaso com razão, a OTAN e as suas estruturas militares, subalternas das dos Estados Unidos.
Neste entretanto, e logo no meio do caso do avião sobre a Bielorrússia, eis que um grupo de jornalistas europeus veio mostrar que a secreta militar da Dinamarca atraiçoou o seu país, bem como os restantes Estados da União Europeia, talvez também da OTAN, ao fornecer o essencial para que a NSA dos Estados Unidos procedesse à espionagem sobre Angela Merkel e sobre o Presidente da Alemanha. A esta gentalha norte-americana chamou Durão Barroso, na Assembleia da República, aliados… E tudo isto no tempo do borracho… Barack Obama.
Ora, a este caso os nossos jornalistas quase o não referiram, ao contrário dos casos de suposta espionagem russa sobre americanos e europeus. Sem um ínfimo de honra ou de princípios, as nossas televisões explicam-nos agora que isso de espiar é uma arma que todos utilizam. Simplesmente, existe esta diferença: se a alegada espionagem é russa, ou chinesa, o alarido supera o fim do Baile de Máscaras, de Verdi, mas se é entre aliados da OTAN, o caso fica para ser estudado. Tal como se deu com os mandantes do homicídio de Kashoggi, ou com os de Camarate.
Este caso permite que aqui recorde uma nota que salientei em texto já antigo: a CIA esteve sempre omnipresente na zona escandinava, o que se mostra natural, e teve, por evidência forte – também já expliquei – uma mão bem oculta no homicídio de Olof Palme. E, como pode ver-se, nunca ninguém, na União Europeia, mormente na Internacional Socialista, se preocupou com o que levou aos homicídios de Palme e de Aldo Moro, ou da jovem brasileira, Marielle Franco. Nem com a rede narcotraficante criada por Pinochet no mundo.
Há já muitas décadas, ao tempo de Reagan e George Shultz, foi descoberto e preso o traidor Pollard, que atraiçoava os Estados Unidos em favor de Israel, o que levou o então Secretário de Estado a dizer para o Presidente: estes tipos até a nós espiam! O problema é que, neste caso, tal como no de agora, entre amigos é outra coisa. É a política na sua máxima verdade.
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