É difícil não perceber
Esta situação acabou por potenciar todo o tipo de ilegalidades, uma vez que tudo tem sempre de passar por aqui. Jogar neste ambiente, com o passar dos anos, décadas ou séculos, aperfeiçoou um modo de saber estar e de saber fazer, interligando-se tudo numa simpatia que oscila entre o natural e o adquirido pela experiência. O clima, claro está, ajudou muito a esta realidade.
Há concidadãos nossos que olham o que se passa em Portugal como uma espécie de horror. Não penso assim. E não penso assim, porque sempre vi a vida no seio da nossa sociedade com alguma frieza, reparando na realidade e fugindo sempre ao simples e agradável sonho. Agradável, claro está, até ao dia em que se percebe a verdadeira realidade.
Portugal só existe por razões históricas e porque aqui vivem os portugueses. A Geografia, como sempre, determinou as limitações típicas do nosso modo de estar na vida. Longe do centro europeu, Portugal acabou por tornar-se numa espécie de entreposto global, ponto de passagem das rotas euro-africanas e euro-americanas. Uma realidade que, para ser percebida só precisa que se olhe um globo terrestre.
Esta situação acabou por potenciar todo o tipo de ilegalidades, uma vez que tudo tem sempre de passar por aqui. Jogar neste ambiente, com o passar dos anos, décadas ou séculos, aperfeiçoou um modo de saber estar e de saber fazer, interligando-se tudo numa simpatia que oscila entre o natural e o adquirido pela experiência. O clima, claro está, ajudou muito a esta realidade.
Vencer as adversidades da vida levou, portanto, ao aperfeiçoamento de todo este modo de estar. Nunca conseguindo estruturar a criação de riqueza, os portugueses viram-se obrigados a utilizar as suas qualidades, mormente as adquiridas pelo mecanismo atrás referido. E o tempo, naturalmente, impôs as suas modas. Uma dessas modas do tempo é a droga, por via dos loucos sonhos que dolorosa e destrutivamente proporciona. E tudo isto encontrou uma fonte de ensinamento com a defesa das antigas províncias ultramarinas, completada, mais tarde, com o retorno dos nossos concidadãos que haviam conhecido aquela realidade nos territórios ultramarinos.
Não me admirei, pois, com a recente notícia de que Lisboa se encontra na posição 12 da lista de cidades europeias que mais consomem cocaína. Penso, até, que a posição deverá mesmo situar-se antes. Mas o problema não está só no consumo, também – mesmo sobretudo – no papel de entreposto para a sua chegada ao espaço europeu. Vai longínquo o tempo em que a Secretaria de Estado dos Estados Unidos e as Nações Unidas salientavam, com periodicidade anual, que Portugal era a grande porta de entrada na Europa de estupefacientes oriundos do subcontinente americano. Um pouco depois, esta realidade estendeu-se à África Ocidental, mesmo a Marrocos. Simplesmente, tudo isto era desmentido e desvalorizado pelas nossas mais diversas autoridades. E da grande comunicação social, bom, nem palavra.
No meio de tudo isto, o interessante é poder assistir, mesmo a olho nu, a todo o movimento de traficância que se desenrola por lugares diversos de Lisboa, ao mesmo tempo que ninguém fala do tema. Não se fala nem se gosta de ouvir falar. E é extremamente interessante poder perceber o que se passa por via da mudança do universo envolvente, como se dizia na Termodinâmica: conhecidos que regressam, gente desconhecida em profusão, caras típicas do mundo do crime e da violência, ausências inesperadas, por vezes acompanhadas de explicações que não foram pedidas, pessoas que se sabe serem conhecidas, mas fingindo não o serem, etc..
Perante toda eta consabida realidade, termino com esta pergunta: será a corrupção pior que toda esta consabida realidade, visível a cada semana que passa? Pois, a minha opinião é que não, sendo que se trata de mecanismos complementares e muito ligados. E, no entretanto, a vida lá continua a correr. Não há nisto nada de horroroso, desde que se perceba ser algo de sempre.
Publicidade