Da Regionalização à Descentralização
Percebe-se hoje, por razões internas e por outras mais vastas, que todo o ordenamento jurídico português começa a mostrar falhas no seu funcionamento, mas não porque os objetivos constitucionais estejam ultrapassados, antes porque a gestão do todo nacional, precisamente operada a partir do Governo da Nação, acaba por não dar a resposta adequada à reposição daqueles objetivos e da sua consecução.
Durante anos, desde que me consciencializei mais com o texto da Constituição de 1976, nunca vi com bons olhos a ideia constitucional de proceder a uma regionalização do País. Este era (e é) pequeno, quase toda a gente se conhece – é uma frase corrente, mas com o seu fundamento –, pelo que o Governo da Nação poderia, com grande facilidade, tratar das necessidades do País e de todos nós a partir da sua própria ação, centrada, como se sabe, na capital do País.
O texto constitucional tratou de fortalecer o poder das autarquias, o que se complementou com o surgimento da Associação Nacional dos Municípios e, mais tarde, com a Associação Nacional das Freguesias. Indubitavelmente, também por via dos dinheiros aqui chegados graças à adesão à União Europeia, Portugal sofreu um salto qualitativo nunca experimentado.
Percebe-se hoje, por razões internas e por outras mais vastas, que todo o ordenamento jurídico português começa a mostrar falhas no seu funcionamento, mas não porque os objetivos constitucionais estejam ultrapassados, antes porque a gestão do todo nacional, precisamente operada a partir do Governo da Nação, acaba por não dar a resposta adequada à reposição daqueles objetivos e da sua consecução.
Contra aquela minha impressão inicial, adversa da ideia de regionalizar o que até é relativamente pequeno, impõe-se-me hoje a situação objetiva de se estar a caminhar, velozmente, para uma situação de vazio social numa maior parte do território de Portugal. E se é verdade que, por todo o mundo, as populações mostram um comportamento como o que vem tendo lugar em Portugal, também se me impõe a ideia de que este mecanismo pode ser fortemente atenuado, desde que se promovam iniciativas integradas de desenvolvimento de parcelas com caraterísticas típicas. Esta realidade acabou por determinar a minha mudança de posição perante o problema constitucional da regionalização.
Acontece que os portugueses assistem, mais uma vez, às intermináveis discussões sobre um novo aeroporto para Lisboa. Como há dias escrevi, este caso constitui-se, iniludivelmente, numa marca forte da ação política da nossa III República. O tempo tem vindo a decorrer, e as coisas não passam da cepa torta, como usa dizer-se. Ora, se com um aeroporto as complicações são como pode ver-se, operar uma funcional e eficaz regionalização terá de ser tarefa muitíssimo mais exigente.
O mecanismo da regionalização, num certo sentido, encontra-se bastante facilitado, dado que a zona a norte do Douro poderá ser, naturalmente, uma das futuras regiões, ao mesmo tempo que o nosso Algarve nos fornece, também naturalmente, uma outra região. Sobre o resto, bom, é preciso estudar realidades diversas, mas que nem por isso são difíceis de ultrapassar. Em todo o caso, há um dado que se nos impõe ter em conta: as autarquias e as populações têm de ser claramente auscultadas pelo Governo, a fim de se vir a decidir com um suporte social e institucional forte.
Aprovado um mapa da futura estrutura regional, impõe-se estruturar os respetivos órgãos de poder, bem como as prerrogativas próprias. Estas terão de ser, em essência, de planificação integrada e de gestão dos programas aprovados pelas regiões. Em contrapartida, os orçamentos regionais terão de estar integrados no Orçamento de Estado, sendo oriundos de uma estrutura liderada pelo Governo da Nação que terá de afetar a programas próprios as partes orçamentais essenciais ao cumprimento da ação regional. Em todo o caso, o Governo da Nação terá sempre uma última palavra perante incompatibilidades que possam surgir. E, como é natural, tudo isto não pode diminuir os poderes hoje existentes ao nível dos municípios.
Hoje, perante mais este elefante na sala da política portuguesa – a III República está à beira do meio século…–, acabou por cair-se numa descentralização sem nexo, estrutura sem um norte claro, um pouco ao sabor das contingências político-partidárias. Infelizmente, o que já se percebeu é que a regionalização continua a meter medo, sem que ninguém se determine a estudá-la na sua globalidade, mas elaborando um potencial modelo funcional em termos de arte final. À beira de meio século da Revolução de 25 Abril, lamentavelmente, falta coragem à classe política para tratar, de um modo cabal, o interessante e potenciado tema constitucional da regionalização.
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