Conceitos
O tempo cultural, moral e legal da II República criou condições de desconfiança contra a Maçonaria, que foi sendo vista como constituída por pessoas estranhas, porventura ligadas a atividades esquisitas, talvez mesmo perigosas. É o tipo de caldo político-social muito difícil de extirpar mais tarde, acabando por se transformar as fantasias em dados de verdade, assim transmitidos aos níveis mais diversos.
É raríssimo visionar o programa de Nuno Rogeiro, na SIC Notícias, ao início das tardes de domingo. Sem que possa apontar uma causa objetiva, a verdade é que dei comigo a acompanhar o programa deste domingo. E nele encontrei dois temas que justificaram este meu texto: por um lado, o tema da Maçonaria; por outro lado, o da recente notícia sobre a posição do Estado Português em face da Huawei. Portanto, vejamo-los.
Em primeiro lugar, o caso da Maçonaria. Ora, a Maçonaria não se constitui numa estrutura única e universal, antes se mostra organizada em grupos diversos, com origens distintas, estruturas organizativas variáveis, até mesmo com organizações de mulheres e de homens. Como usa dizer-se, seguem obediências diversas.
A menos que se demonstrasse, a menos de um mínimo de dúvida, que muitas destas estruturas se encontrassem ligadas a atividades violadoras da legislação em vigor, servindo fins particulares e ilegais, pretender que se exponha, com caráter de obrigatoriedade, a pertença a uma destas estruturas constitui, indubitavelmente, uma violação da vida pessoal e particular de cada cidadão.
O tempo cultural, moral e legal da II República criou condições de desconfiança contra a Maçonaria, que foi sendo vista como constituída por pessoas estranhas, porventura ligadas a atividades esquisitas, talvez mesmo perigosas. É o tipo de caldo político-social muito difícil de extirpar mais tarde, acabando por se transformar as fantasias em dados de verdade, assim transmitidos aos níveis mais diversos.
À medida que o tempo da nossa III República tem decorrido, com o assomo de forças da Direita e da Extrema-Direita, olhando a vasta corrupção que hoje varre a nossa sociedade – é assim por quase todo o Mundo –, de pronto se retomou a velha ideia de que a Maçonaria estará por todo o lado, sempre espreitando uma oportunidade para estender o tal seu alegado mal.
Não creio que ser-se membro de uma loja maçónica imponha aos seus membros a não divulgação dessa condição. Quem for mação, quase com toda a certeza, pode divulgar esta sua situação, embora, naturalmente, não possa veicular publicamente o que se passa no seio da sua estrutura de pertença. Enfim, é o que terá de aceitar-se como natural.
Há já muitos anos, em Campo de Ourique, existia – talvez ainda exista – um templo evangélico, em condições tais que por ele passava, no mínimo, após o jantar. Lá estava um senhor à porta, esta entreaberta, ouvindo-se cânticos de tipo religioso, ou alguém a expor um qualquer pensamento adequado à circunstância. Um dia, parei e perguntei se podia entrar, tendo o senhor respondido que não, dado não ser evangélico, no mínimo conhecido dali.
Muitos anos mais tarde, passando em certo lugar da Estrada de Benfica, pude ler, na porta de um outro templo evangélico, a notícia de que em certa data próxima ali estaria, a certa hora, um bispo de apelido Doctorian, aparentemente de grande relevo. Perante a notícia, perguntei ao senhor que estava aqui à porta se poderia assistir à intervenção do referido bispo, mas logo me foi dito que não, dado não ser evangélico e dali desconhecido.
Hoje, conheço umas três ou quatro mãos de senhoras evangélicas, como por igual das Testemunhas de Jeová, sem que daí venha mal ao Mundo. Apenas constato a tendência geral para introduzirem a temática religiosa, mesmo que a muito forçado propósito se justifique no âmbito da conversa. Aqui, são os próprios a declararem a sua opção religiosa.
Acontece que eu não constato esta realidade com mações, ou com membros da Opus Dei, ou da Rosa Cruz, ou dos Arautos do Evangelho, etc.. E não existe uma razão válida, desde que sem mais, para se exigir uma declaração obrigatória de pertença a uma destas estruturas. O mesmo, pois, em minha opinião, que se passa com a condição de ser membro de uma loja maçónica. Mas, enfim, está aí, já bem à vista, o tempo de novas perseguições, como do regresso da censura, etc.. E como não haveria de ser assim, se até conheço quem, sendo de elevado gabarito social e intelectual, continua a mostrar-se, a um nível público razoavelmente amplo, como apreciador do nacional-socialismo?!
E, em segundo lugar, o caso da recente notícia sobre Portugal, a Huawei e o futuro. Acontece que a entidade que tratou o caso, apresentando os resultados ao Governo, a quem cabe decidir em última análise sobre o tema, salientou que o Estado Português deve evitar países hostis, mormente se operarem espionagem sobre a OTAN e a União Europeia. Ora, isto tem uma enorme graça, porque os Estados Unidos operam espionagem sobre mil e um, incluindo Estados europeus e da OTAN, como se conhece à saciedade. Dispuseram, até, do tal Sistema Echelon, hoje substituído por um outro. E, graças a Edward Snowden e a Manning, o Mundo fiou a saber o que é a ação dos Estados Unidos sobre quem quer que seja.
Do mesmo modo, até Israel espiou os Estados Unidos, ao menos com o caso Pollard, ainda hoje a cumprir uma longa pena de prisão nos Estados Unidos. Um acontecimento que levou George Schultz a dizer para Reagan, a propósito dos israelitas: caramba, estes tipos até a nós espiam!! Ou seja, e como hoje se vai podendo escutar nas televisões ao dia-a-dia: todos procuraram espiar tudo e todos. Portanto, os Estados Unidos e Israel também não poder ser os fornecedores da nossa rede 5G…
Acontece que o referido parecer ao Governo também aponta como critério para evitar um fornecedor o facto de se ser este um violador do Direito Internacional Público. Bom, também aqui, para lá da Federação Russa, temos os Estados Unidos – Guerra do Iraque e Kosovo, no mínimo dos mínimos –, mas por igual Israel. Portanto, também por aqui não pode usar-se a rede 5G dos Estados Unidos, ou de Israel.
Termino com esta pergunta: onde está o erro destas minhas conclusões? Pois, na resposta de Francisco Seixas da Costa a Miguel Sousa Tavares, num noticiário da TVI: ó Miguel, mas isso foi sempre assim, houve sempre duas leis internacionais, uma para os Estados Unidos, outra para os outros Estados! E é isso: temos a democracia.
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