“À Tecedeira”, poema de Carlos d’Abreu
Poemário, rúbrica de Carlos d’Abreu, raiano do Douro Transmontano (1961), Geógrafo (USAL/UC), Arqueólogo (UP/USAL) e Historiador (UPT/USAL), colaborador do Centro de Literatura Portuguesa (UC); investigador, poeta (e diseur), antologista e tradutor; conta com várias publicações nestas áreas.
À Tecedeira
Revela-me ó tecedeira
como urdes com versos de malha
nesse mágico e sóbrio apresto
o poema-manta que me agasalha
Eu só o fio do poema conheço
Esguia e veloz lançadeira
barcarola-canela de linhas
que roça fricciona insinua
em mão esbelta da tecedeira
qual surfista navegante
vem depois o pente e mistura
a textura do instante
Eu só entrelaçar versos sou capaz
Vai e vem leva e traz
fios linhas cores ideias
lenços telas e tafetás
e muitas e muitas teias
Eu só tecer poemas sei
Enquanto tu ó tecedeira
após cardar fiar e dobar
teces mantilha-floreira
xaile-manta amictório
com que me hás-de velar
Carlos d'Abreu
“Rostos Transmontanos”, integra o livro de poesia “[des(en)]cantos e (alguns) gritos”, de Carlos d’Abreu, editado em 2017 sob a chancela da editora Lema d’Origem.
No poema “À Tecedeira”, que, de imediato, reenvia a memória do leitor para a Odisseia, de Homero, e para o episódio da rainha Penélope, o autor apresenta o seu modus faciendi, isto é, a sua arte poética. O escritor, empregando metáforas que associam a poesia às artes do tear e do bordado, compara o texto/poema a um “poema- -manta”, realçando os significados de “tecer, entrelaçar os fios” que escoram a etimologia do vocábulo texto. O labor poético entrelaça vogais, consoantes, sons, palavras e ritmos para formar o texto, ou o “poema-manta”. Esta composição patenteia, ainda, a dificuldade
do trabalho poético, que é comparado ao labor doméstico, ou seja, à renda e ao tear, atividades que exigem muita atenção e concentração. Nota-se, ainda, uma gradação ascendente desse processo, prefigurada nos versos “eu só o fio do poema conheço” (v. 5), “eu só entrelaçar versos sou capaz” (v. 13) e, por fim, “eu só tecer poemas sei” (v. 18). Em suma, enquanto a Tecedeira/Penélope entrelaça.
[Do prólogo de Norberto Veiga]
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