A entrevista de Irene Pimentel
É inteiramente verdadeira a ideia da historiadora de que o antissemitismo não fazia parte da ideologia salazarista. E também é corretíssima a sua afirmação de que o inimigo principal do Salazarismo era o comunismo e não o judaísmo.
Há uns bons dias atrás, tive a oportunidade de ler a entrevista da historiadora e académica Irene Flunser Pimentel, o que me levou a escrever o presente texto, olhando alguns dos aspetos por si focados.
Em primeiro lugar, logo no início da entrevista, Irene salienta que o tempo da passada Segunda Guerra Mundial se constitui num dos períodos mais negros da História, com mais de seis milhões de judeus assassinados. Ora, em si, na sua globalidade, esta afirmação é inteiramente verdadeira, mas o número de judeus assassinados – mais de seis milhões – sempre me suscitou dúvidas. Um tema sobre que tive já a oportunidade de escrever. E é o que volto agora a contar.
Tive a oportunidade de conviver, por centenas de noites, em sua casa, com um matemático muito amigo, católico, mas de origem judaica e que teria hoje, se estivesse ainda na nossa companhia, bem mais de cem anos. Em certa noite, a dado passo, referi o tal número agora apontado por Irene, mas de pronto recebi a resposta do académico: não, seis milhões não, porque não existiam seis milhões de judeus na Europa desse tempo. Bom, fiquei algo admirado com aquela reação, mas a coisa passou.
No dia seguinte, na sede do CDS, a meio da tarde, encontrei, como diariamente, a mulher do embaixador Brito e Cunha, Ing Brito e Cunha, que era judia – ou de origem judaica? –, de pronto lhe expondo a conversa da noite anterior, com a referência ao ponto e ordem do meu amigo matemático. De novo com grande estranheza, recebi esta resposta: mas nunca ninguém disse que existiam seis milhões de judeus na Europa daquele tempo. Enfim, ouvi, aceitei, e continuei sem saber no que acreditar.
Claro está que o número exato será desconhecido, podendo, como muitas vezes acontece, criar-se um dado histórico e vir este, independentemente da sua exatidão, a ser dado como correto. A verdade é que continuo na mesma: foram mais de seis milhões de judeus, ou o matemático e Ing Brito e Cunha tinham razão?
Em segundo lugar, Irene refere que o regime nazi provocou milhões de vítimas, entre os países ocupados, incluindo prisioneiros de guerra soviéticos e ciganos. Sendo uma realidade conhecida, também o fenómeno teve lugar na própria Alemanha, sendo assassinados judeus, ciganos, comunistas, social-democratas, homossexuais e outros. Uma realidade naturalmente conhecida da historiadora, mas raramente tida em conta pela generalidade dos cidadãos que possam mesmo acompanhar o tema.
Em terceiro lugar, Irene toca num ponto extremamente interessante, salientando que o antissemitismo sempre existiu ao longo da história, sobretudo desde a Idade Média. E refere, até, que existe um antissemitismo de caráter religioso cristão, que agarra o facto de Jesus Cristo ter sido morto por judeus, ele próprio um judeu. É um facto, e eu mesmo já o abordei há um tempo, ao contar certa passagem de uma conversa com um professor meu de Religião e Moral, padre, em que dele escutei estas palavras: nós podemos dizer dos judeus muita coisa, mas há um dado que é certo, é que eles conhecem a doutrina muito melhor que os católicos (romanos). Ora, quando descrevi esta conversa num outro texto, eu interroguei-me: o que pretendia o padre dizer com aquela de podermos dizer dos judeus coisa? Ao tempo, não liguei, mas recentemente recordei-me desta conversa e da passagem em causa.
Em quarto lugar, é muito interessante, e correta, a descrição que faz do genocídio dos judeus, operado por fases, tema sobre que já aconselhei aos leitores, num outro texto, a leitura da obra A VERDADEIRA HISTÓRIA DAS SS. Uma obra muito completa, minuciosa, mas igualmente cativante e que nos ajuda a saber a realidade nela tratada.
Em quinto lugar, é inteiramente verdadeira a ideia da historiadora de que o antissemitismo não fazia parte da ideologia salazarista. E também é corretíssima a sua afirmação de que o inimigo principal do Salazarismo era o comunismo e não o judaísmo. Simplesmente, logo depois Irene salienta que segundo a lógica alemã, em que queriam criar uma Europa nazi, se ganhassem a guerra, também iam convencer os países neutrais a terem uma ‘política justa’, que era o extermínio dos seus judeus, o que não permite, de modo algum, aceitar a ideia de que essa tentativa de convencer os restantes Estados viesse a ter êxito. Seria, quase com toda a certeza, um terrível problema existencial para a estratégia do regime nazi e do próprio regime.
Em sexto lugar, a extensão populacional que conhecia o genocídio em marcha. Tem Irene toda a razão, mas importa ter presente certa reação acalorada do Papa Francisco, creio que numa via-gem de avião, quando um jornalista lhe colocou o caso do silêncio de Pio XII sobre o que se passara na Alemanha. Gritando, Francisco respondeu: e os outros, os políticos, não sabiam?! E reforçou estas palavras: todos sabiam do que se passava!!
Em sétimo lugar, Irene Flunser Pimentel tem a mais cabal razão quando salienta que o Holocausto foi construído pelo nazismo, mas a estrada foi pavimentada pela indiferença. Creio que o primeiro campo de concentração da Alemanha foi o de Dachau, a seis quilómetros de Munique, capital da Baviera. Ora, esta fora um reino católico, sendo evidente que toda a população de Munique, no mínimo, sabia do referido campo e do que lá se passava. Simplesmente, ou fazia por não ver, ou mesmo apoiava, mais ou menos explicitamente.
E, em oitavo lugar, a tal garantia (por evidência forte) de que se aconteceu, pode voltar a acon-tecer. Por ser assim, há que providenciar no sentido de levar os cidadãos a interiorizar o crime em que tudo aquilo se constituiu, ação que deve ser levada a cabo logo desde a formação escolar básica, e mesmo a nível superior. Um domínio onde a inação é confrangedora e perigosíssima. Portanto, os políticos que se determinem a remar, com força, contra uma tal possível maré.
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