A Democracia
Ao contrário do normalmente apregoado pelos praticantes políticos das democracias, estas não se constituem, de um modo muito geral, como um objetivo supremo dos povos. Basta olhar aquela usual frase, atribuída a Winston Churchill, a cuja luz a democracia é má, mas é o menos mau de todos os sistemas políticos. É uma frase que vale o que vale, mas que nos assegura, ao menos, que a democracia (também) é má.
Já não constitui dúvida, mormente para a classe política e para os cidadãos mais atentos à fenomenologia política, que as designadas democracias vivem um tempo de descrença e de crise existencial. Naturalmente, existem causas para que este fenómeno esteja a ter lugar, sendo relativamente simples perceber que se trata de um problema sem solução democrática e de razoável irreversibilidade.
Ao contrário do normalmente apregoado pelos praticantes políticos das democracias, estas não se constituem, de um modo muito geral, como um objetivo supremo dos povos. Basta olhar aquela usual frase, atribuída a Winston Churchill, a cuja luz a democracia é má, mas é o menos mau de todos os sistemas políticos. É uma frase que vale o que vale, mas que nos assegura, ao menos, que a democracia (também) é má.
A generalidade das pessoas, como também dos povos, deseja ser governada, mas com justiça social e com um horizonte de esperança num futuro melhor, resultado das exigências do dia-a-dia da vida em sociedade. Será muito difícil compreender que o futuro possa conduzir, no seio das famílias, a um fenómeno de inversão social, com os filhos a virem a viver muito pior e de modo mais periclitante que seus pais. Infelizmente, esta é hoje a realidade que varre o mundo, consequência do fim do comunismo soviético e do triunfo neoliberal, da globalização e da péssima moral reinante, toda ela assente no lucro e no triunfo pessoal a qualquer custo.
Dizia eu há dias a alguém conhecido, numa das minhas tardes no café, que um dos piores problemas do tempo que passa, com Portugal apontado como um Estado de Direito Democrático, foi a perda do sentimento do dever para com a comunidade nacional, assim enfraquecendo fortemente o poder do Estado no sentido de operar uma capaz distribuição da riqueza, aceitando como natural que uma miséria vasta possa ladear uma riqueza bilionária e sem obrigações.
A tudo isto ainda se pode juntar o facto da generalidade das instituições simplesmente não funcionarem, ou funcionarem de um modo completamente fora do lógico e do expectável. Ora, a nossa sociedade, tal como a generalidade das designadas democracias, há muito mostrou a todos nós a sua completa ineficácia para resolver os grandes problemas do País e de (quase) todos nós. Basta recordar, por todos, o terrível funcionamento do Sistema de Justiça, com processos sobre personalidades que tiveram desempenho público a muito alto nível cujo fim deixou de se vislumbrar. É o que se passa, por exemplo, com os casos de Arlindo Carvalho, Rosalina Ribeiro, José Sócrates, Rui Rangel e restantes, ou Ricardo Salgado, entre tantos outros. Passam-se anos e… nada.
Convém que o leitor olhe o que se passa nos Estados Unidos e desde há muitas décadas. Por ali se viveu a escravatura, a discriminação racial, o homicídio sem explicação capaz de presidentes, mas também aquela realidade tão claramente exposta ao 60 Minutos por Donald Trump: se nós déssemos o direito de votar a todos, o Partido Republicano nunca mais voltaria ao poder. Sendo isto a prova mais cabal de que não existe ali uma real democracia – existe, sim, uma plutocracia –, cabe que o leitor se questione sobre a razão de tanto os Estados Unidos se baterem pela democracia nos restantes Estados do mundo, bem como pela defesa dos Direitos Humanos. E também convém ter isto presente: o caso do polícia que assassinou George Floyd ainda não terminou, tendo para mim a ideia de que tudo bem poderá ficar reduzido a quase nada…
Qual é, então, a razão de tanto os Estados Unidos se baterem pela instauração de democracias? Pois, é simples de perceber: as democracias pressupõem a existência de partidos políticos, sendo que os dirigentes destes sonham sempre com o acesso ao poder. Deste modo, muitos destes dirigentes tornam-se presa fácil para o clientelismo dos grandes interesses dos Estados Unidos. E quem diz Estados Unidos, diz, numa outra escala, Alemanha, Reino Unido, França e outros Estados com grande poder, militar e económico. Os povos, até há uns anos atrás, lá continuavam a acreditar no valor da democracia, e no funcionamento capaz dos tais pesos e contrapesos. Simplesmente, o caminho para a guerra, desde que os democratas chegaram ao poder em Washington é já evidente, ao mesmo tempo que aquele mínimo de garantias humanas que sempre se atribuiu à democracia está a caminho da extinção. Portanto, percebe-se que a democracia tenha dificuldade em fazer-se respeitar.
A toda esta realidade juntou-se o decaimento profundo do Sistema de Justiça, em que quase já não se acredita. Mas também o nefando papel da grande comunicação social, que, quase nada mudando para melhor, tem acabado por erodir a fantasia que sempre ia servindo de força destinada a suportar as agruras da vida em qualquer sociedade. Basta olhar a imparável conversa sobre Eduardo Cabrita, e compará-la com o quase silêncio ao redor de André Ventura, depois desta recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Cada um de nós dá-se conta de que André Ventura e o seu Chega! vivem suportados, direta ou indiretamente, de forma forte por parte da grande comunicação social. Até os programas de Pedro Coelho, a certa altura apresentados na SIC Notícias, mostraram um objetivo conteúdo nulo. Foi, indubitavelmente, falar sem nada dizer de materialmente válido. Uma espécie de tudo em nada.
Esta realidade global justifica a descrença progressiva no valor da democracia. E caminha-se, à luz do que penso, para uma situação de fraqueza e desinteresse crescentes da mesma. De resto, o que já se pode perceber é que os designados democratas poderão mesmo vir a recorrer à força, a fim de defenderem os seus pontos de vista. A dita democracia, aos poucos, está-se a transformar numa ditadura potencial, defendendo a forma, mesmo que completamente à revelia dos resultados sociais a serem fornecidos: a forma ao serviço do lucro, sempre secundarizando as pessoas e os seus direitos mais essenciais. O resto fica agora para o leitor pensar, retirando as suas conclusões. Um dado é certo: o futuro caminha para a Direita, mesmo para a Extrema-Direita, mas sempre brandindo a democracia, qual essencial anestesiante, mas progressivamente enfraquecido.
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