“1961”, poema de Carlos d’Abreu
Poemário, rúbrica de Carlos d’Abreu, raiano do Douro Transmontano (1961), Geógrafo (USAL/UC), Arqueólogo (UP/USAL) e Historiador (UPT/USAL), colaborador do Centro de Literatura Portuguesa (UC); investigador, poeta (e diseur), antologista e tradutor; conta com várias publicações nestas áreas.
1961
quando nos quentes serões
mesmo cacimbos da Luanda
ainda colonial, vendo o mar
por entre ramos de imbondeiro
teria eu menino dez anos ou pouco mais
minha Mãe que entretanto já partiu
meu Pai que continua a aventura
da viagem em terceiro continente,
narravam o Terrorismo
a alienação dos turras
a sorte que nos salvou das catanas
o tempo em que nasci:
ouvia com atenção
teria eu menino dez anos ou pouco mais
era a História narrada pelos seus actores
– actores secundários é certo –
e a História fala de factos antigos
– antigo era para mim o sessenta e um –
e os protagonistas o Bem e o Mal
o branco e o preto
Portugal mais uma vez, através dos seus
heróis e mártires cumpria Destino
e eu não sabia que Angola começara então
a escrever a sua História em rios tingidos
de vermelho, cumprindo igualmente Destino
teria eu menino dez anos ou pouco mais
como poderia acreditar que o Poder é efémero
que o Império era efémero, que Portugal seria efémero?
teria eu menino dez anos ou pouco mais
sabia de Honório Barreto, do régulo D. Aleixo,
de Aniceto do Rosário, de Carlos Alberto Fernandes
teria eu menino dez anos ou pouco mais
e não sabia que Vulcano já forjava
Neto, Holden, Savimbi, Chipenda,
Puna e Andrades, e que a sua luta
um dia a um ditador se resumiria
os inocentes são fáceis de moldar
pois não sabem que a História
serve também a ideologia
teria eu menino dez anos ou pouco mais
mas há meninos que não cresceram
e desencontraram-se com a História
Carlos d'Abreu
“1961”, integra o livro de poesia “[des(en)]cantos e (alguns) gritos“, de Carlos d’Abreu, editado em 2017 sob a chancela da editora Lema d’Origem.
“A narratividade dos poemas, associada ao tom coloquial, constitui outro traço distintivo da poética do autor. Muitos dos carmes, em todos os andamentos, evocam as narrativas mágicas e imemoráveis que vão passando de geração em geração. Esta narratividade, coadjuvada pelo ritmo rápido e cadenciado da quadra, predetermina a atenção do leitor para a reflexão e a procura de ‘novos sentidos e possibilidades’”.
Créditos da imagem: Pepe Posse (Ferrol, 2018)
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